domingo, 13 de novembro de 2016

Saudade


Noite de Saudade

A Noite vem poisando devagar
Sobre a Terra, que inunda de amargura ...
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura ...

Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura ...
E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!

Por que és assim tão escura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma Saudade igual à que eu contenho!

Saudade que eu sei donde me vem ...
Talvez de ti, ó Noite! ... Ou de ninguém! ...
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!!

Florbela Espanca, in "Livro de Mágoas"


Não tenho maneira de o homenagear, a não ser com a recordação bem viva de si e de tudo aquilo que foi, me fez, me disse, me escreveu.

Se fosse vivo, meu pai faria hoje 94 anos. Nada de mais para a esperança de vida nos dias de hoje.

No entanto, também vos digo aqui e infelizmente confirmo pela  minha experiência , vivida na atualidade, que ainda bem que alguém parte em dignidade sem atravessar em profundidade aquele período de degradação física e moral que constatamos nas instituições, nos departamentos de onde dificilmente haverá retrocesso.

A minha tia de 88 anos (89 dia 28) caiu a 30 de Setembro e teve de colocar uma nova prótese na anca porque danificou a que tinha sem recuperação.

Depois de sair do Hospital regressou à instituição onde reside mas em vez do seu quarto tem de estar na enfermaria , quarto de três camas, onde infelizmente se encontram também  idosos em fase de perda de faculdades.

Saio sempre de lá acabrunhada mas ainda mais triste por saber que ao avanço da medicina para prolongar a vida não é dado suporte nas áreas complementares para acompanhamento dos idosos. E mesmo assim congratulo-me pelo sítio onde está.

Mas então temos ao lado a senhora que não quer estar na cadeira, depois não quer estar na cama, depois pede água de cinco em cinco minutos, enfim a repetição involuntária de palavras ou frases (ecolalia), assim como aquela do outro quarto que grita por ajuda  como se lhe estivessem a fazer mal.

Só queria ter fé e esperança que me garantissem que não chegaria a atravessar esta fase no final da minha existência, para não viver sem saber e não dar aos cuidadores e familiares um suplemento de grande carga e ansiedade.

Mas hoje alonguei-me de tristezas, possivelmente porque a minha alma acusa a saudade de meu pai e da ausência dos vinte e dois anos que se completarão a 23 do próximo mês de Dezembro.


5 comentários:

  1. Mas que mês este para ti, Tété...

    Já vi todo esse qudro que aqui relatas :
    "Mas então temos ao lado a senhora que não quer estar na cadeira, depois não quer estar na cama, depois pede água de cinco em cinco minutos, enfim a repetição involuntária de palavras ou frases (ecolalia), assim como aquela do outro quarto que grita por ajuda como se lhe estivessem a fazer mal."
    Deixo-te um abraço solidário e mesmo muito amigo.

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  2. ERRATA :

    Não é >qudro<, mas sim quadro.
    as minhas desculpas.

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  3. Obrigada João pelas suas palavras e amizade.
    Um grande abraço para si também.

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