Todos ou quase todos vós sabeis que detesto política e ela não
foi, não é, nem será a minha praia de eleição.
Como consequência disso não me sinto abalizada a
poder discutir algumas situações mas é evidente que me pronuncio sempre que me
confronto com injustiças e mentiras.
Mas seja na política ou na vida quotidiana, se há
coisas que me deixam em franja é constatar que as pessoas, em circunstâncias de
confronto , tudo negam ou afirmam para poder tirar o cavalinho da chuva.
Tudo o que atrás foi dito vem na sequência desta notícia
no Expresso:
“Durão Barroso
diz adeus à vida política. Numa entrevista à SIC e ao Expresso, o ex-presidente
da Comissão Europeia anuncia a vontade de não regressar à política e faz um
balanço de uma carreira com mais de 30 anos. Sobre uma das decisões mais
polémicas, a de promover a Cimeira das Lajes, Durão Barroso garante que Jorge
Sampaio, na altura Presidente da República, sabia de tudo e concordou com a
realização da Cimeira - passo inicial para a invasão do Iraque, que acabou por
se tornar um dos maiores erros das últimas décadas do ponto de vista
geoestratégico .”
Grande lata e despudor, ele que, enquanto Presidente
da UE não foi mais do que uma marioneta nas mãos de todos fingindo mesmo ter os olhos fechados com tudo o que se relacionava com o nosso
país.
Cito um parágrafo da minha amiga Tá do blogue Um
Jeito Manso que define bem a sua atuação:
"Fez toda
a espécie de fretes que lhe pediram, e a triste figura que fez aquando da
guerra do Iraque com base em provas que garantiu existirem é coisa que tão cedo
não se apagará da memória dos portugueses.”SIC
Pois é mesmo por tudo isto que não resisti a postar
aqui a resposta do Dr. Jorge Sampaio dada no jornal Público online que retrata
bem como Durão Barroso finge ter memória curta e a usa para seu benefício e
descarte:
Opinião
Iraque,
evocações presidenciais
Por Jorge Sampaio
07/05/2016 - 19:02
Costuma dizer-se que a memória é selectiva e que os relatos históricos são
reconstruções narrativas, que não dispensam nem uma parte de interpretação nem
alguma subjectividade. Até poderá ser assim, mas as chamadas fontes em história
permitem colmatar lacunas e reconstituir factos passados. Posto isto, inspirado
pela leitura dos semanários de fim de semana, atrevo-me a fazer uma breve
revisitação dos anos 2002-2003 deste século, determinantes que foram para o
caos que hoje se vive no plano internacional. Refiro-me ao Iraque.
Sendo certo que já em
2001 estava na agenda internacional, e sobremaneira na americana, em Portugal,
a questão do Iraque só emerge no quadro dos contactos que então mantinha com o
primeiro-ministro no início de Setembro de 2002. Lembro-me, concretamente, de uma
extensa conversa telefónica sobre a matéria, a 9 de Setembro, aquando do seu
regresso de um encontro na Sardenha, com congéneres europeus, durante o qual se
teria desenhado com maior clareza a possibilidade, apoiada por ingleses,
espanhóis e italianos, de uma intervenção no Iraque, mesmo sem mandato das
Nações Unidas.
Recordo bem esta
conversa não só por ter marcado a introdução da questão do Iraque na agenda
interna, de que passou a ser um ponto recorrente, como por ter revelado ab
ovo [de início] as diferenças de posição entre mim e o chefe do
executivo. Este, para além de então ter esgrimido o argumento do interesse
nacional, que seria o de preservar o elo atlântico no contexto europeu,
mencionou ainda que lhe custaria ver certos países do lado dos EUA e Portugal
com uma posição diferente – pensando porventura em Espanha –, não sem que, a
rematar, me tivesse lembrado que cabia ao governo a condução da política
externa, um preceito constitucional que me não ocorreria desrespeitar, mas que
me não impedia de emitir opiniões, um direito que a Constituição igualmente
reconhece ao Presidente.
A convicção certa, com
que então ficara, de que o Iraque se viria a tornar num factor de polarização
PR versus PM, foi-se adensando e tornou-se evidente no nosso encontro semanal
de 19 desse mês, depois de uma intervenção do primeiro-ministro no Parlamento.
Mas, para mim, não era menos premente a necessidade de gerir esta divergência de forma adequada, sem
a tornar num factor de vulnerabilização do funcionamento regular das nossas
instituições.
O último trimestre de
2002 foi marcado pelo peso crescente da questão do Iraque, quer no plano
internacional – fosse das Nações Unidas, em que se deve destacar a aprovação da
Resolução 1441 de 8 Novembro ou da NATO, tendo-se realizado a Cimeira de Praga nessa
altura –, quer no europeu, com declarações recorrentes no âmbito dos Conselhos
de assuntos gerais e das relações externas, reiterando o apoio ao teor da
Resolução 1441 e o apelo ao “desarmamento do Iraque no que respeita às armas de
destruição maciça”.
No entanto, a verdade
é que a unanimidade que parecia subjazer a estas declarações, foi-se estiolando
à medida que nos bastidores se intensificaram os indícios de que haveria uma
iniciativa militar em preparação. Dentro desta lógica, a procura pelos EUA de
apoios levou a uma clara polarização entre os parceiros europeus, de resto ao
arrepio das opiniões públicas europeias que manifestaram uma rara unanimidade
contra um conflito armado.
A divisão europeia
tornou-se óbvia com, por um lado, a tomada de posição conjunta de Chirac e
Schröder (22 de Janeiro de 2003) sobre a oposição a qualquer acção militar
sobre o regime iraquiano e a chamada “carta dos Oito”, publicada a 30 de
Janeiro, que, na véspera, o primeiro-ministro me informara ir assinar, embora
sem me mostrar o texto, mas que enquadrou com argumentos semelhantes aos que
viria a expender no Parlamento a 31 de Janeiro – ou seja, basicamente que para
Portugal a neutralidade não era opção. Entre Fevereiro e Março desse ano,
convoquei o Conselho de Estado por duas vezes e todas as intervenções públicas
que fiz, designadamente na Declaração ao país a 19 de Março, já depois da
Cimeira das Lajes, deixei sempre clara a importância de preservar o papel do
multilateralismo na construção da paz e na resolução dos conflitos, bem como o
da desejável unidade e autonomia europeias em matéria de política externa.
Sobre a Cimeira em si,
e o processo que levou à sua realização nas Lajes – e não em Washington,
Londres, Barbados e Bermudas, como terá sido ventilado –, a verdade é que a
literatura internacional lhe dá pouca ou nenhuma importância e não tendo eu
tido conhecimento dos preparativos, pouco posso dizer. No entanto, quero
recordar aqui o telefonema que, pelas 7 da manhã de 14 de Março, recebi do
primeiro-ministro, solicitando-me uma reunião de urgência. Para minha
estupefacção, tratava-se de me informar que havia sido consultado sobre a
realização de uma cimeira nos Açores, essa mesma que, nesse mesmo dia, a Casa
Branca viria a anunciar para 16 de Março, daí a pouco mais de 48 horas… Não é
preciso ser-se perito em relações internacionais para se perceber que eventos
deste tipo não se organizam num abrir e fechar de olhos; e também não é
necessário ser-se constitucionalista, para se perceber que não cabe ao
Presidente autorizar ou deixar de autorizar actos de política externa.
De qualquer forma,
transmiti claramente que tratando-se, como o meu interlocutor afiançava, de uma
derradeira e essencial tentativa para a paz e evitar a guerra no Iraque nada
teria a opor. Em relação a tudo isto, muito mais poderia recordar, para além da
fotografia conhecida que registou um dos momentos mais gravosos deste século,
quer seja sobre o papel de Portugal na dita Cimeira, sobre as conclusões da
mesma ou ainda sobre tudo o que se seguiu e o início da guerra. Por falta de
espaço, não o farei aqui hoje, mas, poderá o leitor interessado por esta
questão recorrer ao trabalho sério de Bernardo Pires de Lima, A Cimeira das
Lajes (2013), cuja leitura vivamente recomendo.
À laia de conclusão,
quero sublinhar três pontos: o presidente tem o direito constitucional a
mostrar a sua discordância perante a condução da política externa e não está
obrigado a acatar, sem intervenção e passivamente, decisões assumidas pelo
Governo; no caso que aqui nos ocupa, entendo ter conseguido uma posição
equilibrada pois, por um lado, evitei de facto abrir um conflito institucional
que em nada serviria o país, mas, por outro, ao me opor ao envio de tropas para
o Iraque, afirmei decisivamente o papel efectivo do presidente como comandante
supremo das Forças Armadas; quanto ao mais, quero reafirmar um princípio de
natureza geral, é que na política como na vida, importam tanto os resultados
como os processos, pelo que a estratégia dos factos consumados contribuem pouco
para reforçar a confiança mútua que é o cimento dos laços sociais e do
funcionamento das instituições em democracia.
Presidente da
República, 1996-2006