terça-feira, 17 de agosto de 2010

A paixão da prosa




Quando eu era pequena já sonhava com a prosa.

Minha mãe,  teimava em ensinar-me as primeiras letras e os primeiros números - ela queria que a filha fosse para a Escola primária a saber ler, escrever e fazer contas. E conseguiu.
Mas eu sempre lhe dizia que números não eram decididamente a minha paixão. As letras encantavam-me.

Quando fui mãe e o meu filho chegou à idade pre-escolar - aprendeu a ler ainda não tinha 5 anos pelo método de João de Deus - dizia-me ele: Mãe, eu gosto muito de letras. Com elas nós podemos dizer o que pensamos e o que sentimos. Os números não falam.

Então, confirmei que a tendência era já de família.

A propósito de Fernando Pessoa e concretamente de "O Livro do Desassosego" e como por estes dias tenho continuado na sua contemplação, retirei mais esta citação que confirmam os pensamentos dos que amam a prosa:

"Na prosa se engloba toda a arte - em parte porque na palavra se contém todo o mundo, em parte porque na palavra livre se contém toda a possibilidade de o dizer e pensar. Na prosa damos tudo, por transposição: a cor e a forma, que a pintura não pode dar senão directamente, em elas mesmas, sem dimensão íntima; o ritmo, que a música não pode dar senão directamente, nele mesmo, sem corpo formal, nem aquele segundo corpo que é a ideia; a estrutura, que o arquitecto tem que formar de coisas duras, dadas, externas, e nós erguemos em ritmos, em indecisões, em decursos e fluidezas; a realidade, que o escultor tem que deixar no mundo, sem aura nem transubstanciação; a poesia, enfim, em que o poeta, como o iniciado em uma ordem oculta, é servo, ainda que voluntário, de um grau e de um ritual."

Nem sempre a correria da vida nos permite dar largas aos nossos ideais, mas podemos sempre tentar arranjar um espaço para as nossas paixões e loucuras.

4 comentários:

  1. É, como não podia deixar de ser, uma meditação profunda sobre a magia e a beleza das palavras usadas com arte.

    Mas não concordo com a afirmação "Os números não falam" ´

    Já que estamos a citar Pessoa repare nesta:

    O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo.
    O que há é pouca gente para dar por isso.

    óóóó — óóóóóóóóó — óóóóóóóóóóóóóóó

    (O vento lá fora).
    s.d.
    Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).

    M de beijos
    - 110.

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  2. O 110 saiu fora do sítio.
    Este é um número que, colocado assim, não diz nada.
    M de beijos
    + 110
    Este já dirá alguma coisa, não?

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  3. Com esta quantidade, se não for virtual, temos de tirar férias para os poder pôr em dia.
    Aí vão mais umas sacas deles.

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  4. A Vénus de Milo é bela, sim.
    Mas não perfeita...

    Um beijo.

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