segunda-feira, 30 de abril de 2012

Crónica muiiiiiito oportuna






Portugal visto por António Lobo Antunes

Nação valente e imortal

Agora sol na rua a fim de me melhorar a disposição, me reconciliar com a vida. Passa uma senhora de saco de compras: não estamos assim tão mal, ainda compramos coisas, que injusto tanta queixa, tanto lamento. Isto é internacional, meu caro, internacional e nós, estúpidos, culpamos logo os governos. Quem nos dá este solzinho, quem é? E de graça. Eles a trabalharem para nós, a trabalharem, a trabalharem e a gente, mal agradecidos, protestamos.


Deixam de ser ministros e a sua vida um horror, suportado em estóico silêncio. Veja-se, por exemplo, o senhor Mexia, o senhor Dias Loureiro, o senhor Jorge Coelho, coitados. Não há um único que não esteja na franja da miséria. Um único. Mais aqueles rapazes generosos, que, não sendo ministros, deram o litro pelo País e só por orgulho não estendem a mão à caridade.  Rui Pedro Soares, os senhores Penedos pai e filho, que isto da bondade às vezes é hereditário, dúzias deles. Tenham o sentido da realidade, portugueses, sejam gratos, sejam honestos, reconheçam o que eles sofreram, o que sofrem. Uns sacrificados, uns Cristos, que pecado feio, a ingratidão. O senhor Vale e Azevedo, outro santo, bem o exprimiu em Londres. O senhor CarlosCruz, outro santo, bem o explicou em livros. E nós, por pura maldade, teimamos em não entender. Claro que há povos ainda piores do que o nosso: os islandeses, por exemplo, que se atrevem a meter os beneméritos em tribunal. Pelo menos nesse ponto, vá lá, sobra-nos um resto de humanidade, de respeito. Um pozinho de consideração por almas eleitas, que Deus acolherá decerto, com especial ternura, na amplidão imensa do Seu seio. Já o estou a ver

- Senta-te aqui ao meu lado ó Loureiro
- Senta-te aqui ao meu lado ó Duarte Lima
- Senta-te aqui ao meu lado ó Azevedo que é o mínimo que se pode fazer por esses Padres Américos, pela nossa interminável lista de bem-aventurados, banqueiros, coitadinhos, gestores que o céu lhes dê saúde e boa sorte e demais penitentes de coração puro, espíritos de eleição, seguidores escrupulosos do Evangelho. E com a bandeirinha nacional na lapela, os patriotas, e com a arraia miúda no coração. E melhoram-nos obrigando-nos a sacrifícios purificadores, aproximando-nos dos banquetes de bem-aventuranças da Eternidade.


As empresas fecham, os desempregados aumentam, os impostos crescem, penhoram casas, automóveis, o ar que respiramos e a maltosa incapaz de enxergar a capacidade purificadora destas medidas. Reformas ridículas, ordenados mínimos irrisórios, subsídios de cacaracá? Talvez. Mas passaremos sem dificuldade o buraco da agulha enquanto os Loureiros todos abdicam, por amor ao próximo, de uma Eternidade feliz. A transcendência deste acto dá-me vontade de ajoelhar à sua frente. Dá-me vontade? Ajoelho à sua frente indigno de lhes desapertar as correias dos sapatos.


Vale e Azevedo para os Jerónimos, já!
Loureiro para o Panteão já!
Jorge Coelho para o Mosteiro de Alcobaça, já!


Sócrates para a Torre de Belém, já! A Torre de Belém não, que é tão feia. Para a Batalha.


Fora com o Soldado Desconhecido, o Gama, o Herculano, as criaturas de pacotilha com que os livros de História nos enganaram.


Que o Dia de Camões passe a chamar-se Dia de Armando Vara. Haja sentido das proporções, haja espírito de medida, haja respeito. Estátuas equestres para todos, veneração nacional. Esta mania tacanha de perseguir o senhor Oliveira e Costa: libertem-no. Esta pouca vergonha contra os poucos que estão presos, os quase nenhuns que estão presos comoprovou o senhor Vale e Azevedo, como provou o senhor Carlos Cruz, hedionda perseguição pessoal com fins inconfessáveis. Admitam-no. E voltem a pôr o senhor Dias Loureiro no Conselho de Estado, de onde o obrigaram, por maldade e inveja, a sair.Quero o senhor Mexia no Terreiro do Paço, no lugar D. José que, aliás, era um pateta. Quero outro mártir qualquer, tanto faz, no lugar do Marquês de Pombal, esse tirano. Acabem com a pouca vergonha dos Sindicatos. Acabem com as manifestações, as greves, os protestos, por favor deixem de pecar. Como pedia o doutor João das Regras, olhai, olhai bem, mas vêde. E tereis mais fominha e, em consequência, mais Paraíso. Agradeçam este solzinho. Agradeçam a Linha Branca. Agradeçam a sopa e a peçazita de fruta do jantar. Abaixo o Bem-Estar.


Vocês falam em crise mas as actrizes das telenovelas continuam a aumentar o peito: onde é que está a crise, então? Não gostam de olhar aquelas generosas abundâncias que uns violadores de sepulturas, com a alcunha de cirurgiões plásticos, vos oferecem ao olhinho guloso? Não comem carne mas podem comer lábios da grossura de bifes do lombo e transformar as caras das mulheres em tenebrosas máscaras de Carnaval.


Para isso já há dinheiro, não é? E vocês a queixarem-se sem vergonha, e vocês cartazes, cortejos, berros. Proíbam-se os lamentos injustos. Não se vendem livros?  Mentira. O senhor Rodrigo dos Santos vende e, enquanto vender, o nível da nossa cultura ultrapassa, sem dificuldade, a Academia Francesa. Que queremos? Temos peitos, lábios, literatura e os ministros e os ex-ministros a tomarem conta disto.


Sinceramente, sejamos justos, a que mais se pode aspirar? O resto são coisas insignificantes: desemprego, preços a dispararem, não haver com que pagar ao médico e à farmácia, ninharias. Como é que ainda sobram criaturas com a desfaçatez de protestarem?  Da mesma forma que os processos importantes em tribunal a indignação há-de, fatalmente, de prescrever. E, magrinhos, magrinhos mas com peitos de litro e beijando-nos uns aos outros com os bifes das bocas seremos, como é nossa obrigação, felizes.

(crónica satírica de António Lobo Antunes, in visão abril 2012)


E está tudo muito bem observado.
Haverá muito pouco mais a dizer dos oportunistas que se aproveitam das situações em prejuizo de todos nós.
Mas que importância tem se uns passam grandes necessidades e não têm sequer hipóteses de criar os filhos com dignidade e outros esbanjam em ninharias que bem podiam servir para ajudar os que precisam?




quinta-feira, 26 de abril de 2012

Onde anda a Dulce?

             

Uma canção eterna que nos recorda Amália Rodrigues, mas não só.

Lembrei-me hoje de Dulce Pontes e da sua maravilhosa voz e lamentei  não a termos visto nos últimos tempos.

Foi um caso de grande popularidade a nível nacional e internacional e a sua ausência empobrece o panorama da música portuguesa.

Considero que esta interpretação não fica atrás da de Amália pois tem também o condão de  me arrepiar sempre que a ouço e de passar facilmente todo o tipo de emoções.

Dulce Pontes, que é também compositora de algumas canções que interpreta, gravou o seu primeiro álbum em 1992. Seguiram-se grandes sucessos durante uma carreira que já fez 20 anos em 2008 e que, mesmo que não volte em força,  perdurará certamente na memória de todos pela sua grande qualidade.

Fiquem com a Dulce e digam lá se não são da minha opinião.



 


E, mesmo com chuva, façam favor de ter um bom fim de semana. 




quarta-feira, 18 de abril de 2012

Poesia... sempre





Hoje a comemoração é de Antero de Quental aqui e por isso  deixo-vos uma homenagem da sua grandiosidade

Contemplação

Sonho de olhos abertos, caminhando
Não entre as formas já e as aparências,
Mas vendo a face imóvel das essências,
Entre idéias e espíritos pairando...

Que é o mundo ante mim? fumo ondeando,
Visões sem ser, fragmentos de existências...
Uma névoa de enganos e impotências
Sobre vácuo insondável rastejando...

E d'entre a névoa e a sombra universais
Só me chega um murmúrio, feito de ais...
É a queixa, o profundíssimo gemido

Das coisas, que procuram cegamente
Na sua noite e dolorosamente
Outra luz, outro fim só presentido...

Antero de Quental, in "Sonetos"




Mas porque me enviaram e achei que também era de interesse que lessem o poema de Mário de Andrade, aqui fica para refletirem porque encerra tudo aquilo que devemos pensar para nós, os que já passaram a meia idade.




Contei meus anos...

MARIO DE ANDRADE

Contei meus anos
e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já
vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente,
mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando
seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos
inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da
idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de
secretário-geral do coral.
As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos?.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha
alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito
humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se
considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, O essencial faz a vida valer
a pena.
E para mim, basta o essencial!

Mário de Andrade
(1893-1945)


E eu desejo que continuemos a encontrar-nos.

domingo, 15 de abril de 2012

Se Portugal tivesse mar ...


Hoje é a brincar que deixo um assunto sério e a pergunta de quando será que Portugal terá um rumo digno e se consegue acabar com os chulos deste país.

Desculpem o português mas é o que sinto. 




Da crónica de João Quadros no Negócio On-Line:


"Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) demonstram que o Pingo Doce (da Jerónimo Martins) e o Modelo Continente (do grupo Sonae) estão entre os maiores importadores portugueses."
Porque é que estes dados não me causam admiração? Talvez porque, esta semana, tive a oportunidade de verificar que a zona de frescos dos supermercados parece uns jogos sem fronteiras de pescado e marisco.
Uma ONU do ultra-congelado. Eu explico.
Por alto, vi: camarão do Equador, burrié da Irlanda, perca egípcia, sapateira de Madagáscar, polvo marroquino, berbigão das Fidji, abrótea do Haiti? Uma pessoa chega a sentir vergonha por haver marisco mais viajado que nós. Eu não tenho vontade de comer uma abrótea que veio do Haiti ou um berbigão que veio das exóticas Fidji. Para mim, tudo o que fica a mais de 2.000 quilómetros de casa é exótico. Eu sou curioso, tenho vontade de falar com o berbigão, tenho curiosidade de saber como é que é o país dele, se a água é quente, se tem irmãs, etc.
Vamos lá ver. Uma pessoa vai ao supermercado comprar duas cabeças de pescada, não tem de sentir que não conhece o mundo. Não é saudável ter inveja de uma gamba. Uma dona de casa vai fazer compras e fica a chorar junto do linguado de Cuba, porque se lembra que foi tão feliz na lua-de-mel em Havana e agora já nem a Badajoz vai. Não se faz. E é desagradável constatar que o tamboril (da Escócia) fez mais quilómetros para ali chegar que os que vamos fazer durante todo o ano.
Há quem acabe por levar peixe-espada do Quénia só para ter alguém interessante e viajado lá em casa. Eu vi perca egípcia em Telheiras?
fica estranho. Perca egípcia soa a Hercule Poirot e Morte no Nilo. A minha mãe olha para uma perca egípcia e esquece que está num supermercado e imagina-se no Museu do Cairo e esquece-se das compras.
Fica ali a sonhar, no gelo, capaz de se constipar.
Deixei para o fim o polvo marroquino. É complicado pedir polvo marroquino, assim às claras. Eu não consigo perguntar: "tem polvo marroquino?", sem olhar à volta a ver se vem lá polícia. "Queria quinhentos de polvo marroquino" - tem de ser dito em voz mais baixa e rouca. Acabei por optar por robalo de Chernobyl para o almoço. Não há nada como umas coxinhas de robalo de Chernobyl.

Eu, às vezes penso:
o que não poupávamos se Portugal tivesse mar

sábado, 14 de abril de 2012

O tempo




 

Um Sábado de ventania, ameaçando grandes chuvadas, mas afinal aqui para os lados de Sintra foram mais as promessas. Veremos como será quando cair a noite.

Estes dias também têm a sua beleza, sobretudo quando nos encontramos quentinhos e através dos vidros vemos o rodopio das folhas e até dos pardais e dos melros que por vezes fazem voos obrigatoriamente descoordenados pela força do vento.

Para adocicar este dia, deixo-vos com o poema de Fernando Pessoa que tudo diz sobre o vendaval meteorológico versus o da alma que por vezes assobia mais que o verdadeiro vento.



vendaval-poesia-fernando-pessoa


Com chuva, vento ou sol façam favor de ter um ótimo fim de semana.


terça-feira, 10 de abril de 2012

Que saudades...






Hoje lembrei-me de  António Feijó  e recordei as minhas aulas de Português, em 1965, onde a Drª Belarmina Machado nos abria o espírito à poesia.

Ao tempo, deliciei-me com as suas declamações que faziam das aulas autênticas sessões de leitura poética. Primeiro, ela lia e vibrava como se a declamação lhe saísse de um espírito e de uma alma em ebulição. De seguida, fazia-nos as perguntas de interpretação na certeza de que a nossa atenção teria sido suficiente para podermos entender o que tínhamos ouvido.

Era uma senhora de meia idade que deixava transparecer, ao que nos parecia, um desgosto de amor; poderia ter sido na juventude, ou não, um amor não correspondido, um amor pautado pelo abandono, quem sabia?

Os autores sucediam-se guiados pelo programa obrigatório e algumas vezes ao acaso da sua imaginação e gosto.

Marcou-me imenso e não tenho dúvidas que foi uma das grandes influencias que confirmaram a minha vontade, que já vinha de trás, de me dedicar mais às letras do que aos números. Vi-a muitos anos depois numa rua de Lisboa e fiz questão de lhe falar e de lhe relembrar as nossas vivências. Confirmou que se lembrava de mim e estivemos um pouco à conversa. Perdi-lhe o rasto e hoje, é pouco provável que esteja ainda entre nós.

De qualquer modo, agradeço-lhe sempre pelo papel que representou na minha vida.

Por isso, e para que apreciem algumas das suas preferências, aqui fica:


António Feijó (1859-1917)
O AMOR E O TEMPO

Pela montanha alcantilada
Todos quatro em alegre companhia,
O Amor, o Tempo, a minha Amada
E eu subíamos um dia.

Da minha Amada no gentil semblante
Já se viam indícios de cansaço;
O Amor passava-nos adiante
E o Tempo acelerava o passo.

— «Amor! Amor! mais devagar!
Não corras tanto assim, que tão ligeira
Não pode com certeza caminhar
A minha doce companheira!»

— Súbito, o Amor e o Tempo, combinados,
Abrem as asas trémulas ao vento...
— «Por que voais assim tão apressados?
Onde vos dirigis?» — Nesse momento.

Volta-se o Amor e diz com azedume:
— «Tende paciência, amigos meus!
Eu sempre tive este costume
De fugir com o Tempo... Adeus! Adeus!»


Tenham uma boa semana e façam tudo para ultrapassar este momento que atravessamos,  do qual nem quero falar, porque tudo o que ouço e vejo me dá cada vez mais agonias.

Creio que nem no tempo da ditadura  se assistiu a tanto sentimento de irreflexão, mentira, insensibilidade e desumanidade.

Vou tentar pensar noutras coisas para não ficar xoné cedo de mais.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Santa e Feliz Páscoa!

Deixo-vos aqui a minha mensagem de Páscoa desejando que consigam cultivar sempre e em especial a Fé a Esperança e a Caridade .




Páscoa Feliz



 

domingo, 1 de abril de 2012

Lembram-se?

Lembram-se de Connie Francis?

Eu ainda tenho um ou dois discos de vinil  da minha juventude, que foi cerca de uma década mais tarde que a dela.

A sua voz cristalina e melodiosa era frequente desde meados da década de sessenta, princípios de setenta.

Esta canção sempre me emocionou muito pela melodia e pelo seu conteúdo. Ouçam-na e digam lá se não entra cá dentro.









Como a idade não perdoa, façam depois a comparação da mesma canção pela mesma voz, numa atuação ao vivo já em 2009.


A idade vai-se sentindo, mas a sua voz ainda permanece com as características da sua juventude.




Prova que temos de seguir em frente com adaptação e conformação à "capacidade" dos nossos invólucros.

Boa semana!