Quando eu era pequena já sonhava com a prosa.
Minha mãe, teimava em ensinar-me as primeiras letras e os primeiros números - ela queria que a filha fosse para a Escola primária a saber ler, escrever e fazer contas. E conseguiu.
Mas eu sempre lhe dizia que números não eram decididamente a minha paixão. As letras encantavam-me.
Quando fui mãe e o meu filho chegou à idade pre-escolar - aprendeu a ler ainda não tinha 5 anos pelo método de João de Deus - dizia-me ele: Mãe, eu gosto muito de letras. Com elas nós podemos dizer o que pensamos e o que sentimos. Os números não falam.
Então, confirmei que a tendência era já de família.
A propósito de Fernando Pessoa e concretamente de "O Livro do Desassosego" e como por estes dias tenho continuado na sua contemplação, retirei mais esta citação que confirmam os pensamentos dos que amam a prosa:
"Na prosa se engloba toda a arte - em parte porque na palavra se contém todo o mundo, em parte porque na palavra livre se contém toda a possibilidade de o dizer e pensar. Na prosa damos tudo, por transposição: a cor e a forma, que a pintura não pode dar senão directamente, em elas mesmas, sem dimensão íntima; o ritmo, que a música não pode dar senão directamente, nele mesmo, sem corpo formal, nem aquele segundo corpo que é a ideia; a estrutura, que o arquitecto tem que formar de coisas duras, dadas, externas, e nós erguemos em ritmos, em indecisões, em decursos e fluidezas; a realidade, que o escultor tem que deixar no mundo, sem aura nem transubstanciação; a poesia, enfim, em que o poeta, como o iniciado em uma ordem oculta, é servo, ainda que voluntário, de um grau e de um ritual."
Nem sempre a correria da vida nos permite dar largas aos nossos ideais, mas podemos sempre tentar arranjar um espaço para as nossas paixões e loucuras.